Abordar o trauma a partir de uma perspetiva que integra corpo e mente baseia-se num quadro teórico e conceptual que reconhece a interligação entre estes dois aspetos da experiência humana. Esta perspetiva é apoiada por diversas teorias de base cientifica e modelos que surgiram em diferentes disciplinas e abordagens terapêuticas.
Em primeiro lugar, a teoria psicodinâmica tem destacado a importância da ligação corpo-mente na experiência emocional e na abordagem dos problemas de saúde mental. Essa teoria reconhece que emoções e traumas podem ser armazenados no corpo, gerando tensões e sintomas somáticos que afetam o bem-estar emocional e a qualidade de vida das pessoas. Freud (1923/1968) já havia identificado a existência de tensões somáticas em relação a conflitos emocionais não resolvidos, e Reich (1942/2007) desenvolveu uma teoria da “armadura muscular” que enfatiza a relação entre o corpo e a mente na formação de patologias psicológicas.
Por sua vez, a teoria somática do trauma, desenvolvida por Peter Levine e outros autores, destaca a importância da experiência corporal no processamento do trauma. Segundo esta teoria, o trauma é armazenado no corpo na forma de tensões e bloqueios energéticos que devem ser liberados através da experiência sensorial e somática para alcançar uma integração satisfatória. Levine (1997) descreve a necessidade de completar as respostas instintivas que foram interrompidas durante a experiência traumática, e de permitir ao organismo “descarregar” a energia acumulada através de movimentos espontâneos.
Por outro lado, a teoria da regulação emocional de Allan Schore e outros autores destaca a importância da ligação corpo-mente na regulação das emoções e no desenvolvimento de competências de coping. Segundo esta teoria, a regulação emocional baseia-se na integração da experiência emocional no corpo e na mente, o que permite maior flexibilidade e adaptação face a situações stressantes. Schore (2003) destacou a importância da corregulação emocional entre o terapeuta e o paciente, e a ativação de sistemas de apego e autorregulação no processo terapêutico.
No campo da psicoterapia, a perspetiva integrativa tem destacado a importância de abordar o trauma a partir de uma visão que integre diferentes abordagens terapêuticas, incluindo técnicas somáticas, cognitivas, emocionais e comportamentais. Esta perspetiva reconhece que o trauma afeta a pessoa em todos os aspetos da sua experiência e que deve ser abordado de forma holística para alcançar uma recuperação bem sucedida. Nesse sentido, autores como Shapiro (2018) desenvolveram a abordagem da terapia adaptativa de processamento de informação (terapia EMDR), que integra técnicas de estimulação sensorial e cognitiva para o processamento de traumas.
Outro conceito com relevância dentro da conexão corpo-mente é o de regulação emocional, que se refere à capacidade do indivíduo de regular eficazmente as suas emoções. A regulação emocional envolve a capacidade de reconhecer, compreender e responder adequadamente às emoções vividas. Além disso, descobriu-se que a regulação emocional está relacionada com uma melhor capacidade de lidar com o stress e o trauma (Berking, Meier & Wupperman, 2010; Jazaieri et al., 2015).
A prática de mindfulness é uma técnica que tem sido frequentemente utilizada na conexão mente-corpo para melhorar a regulação emocional. Mindfulness é definido como a capacidade de prestar atenção de forma consciente e sem julgamento às experiências do momento presente. A atenção plena demonstrou ser eficaz na redução da ansiedade, do stress, dos sintomas depressivos e na melhoria da regulação emocional em pessoas com experiências traumáticas (Brewin et al., 2010; Kearney et al., 2013).
Além da atenção plena, existem outras práticas que podem ser benéficas para a conexão mente-corpo no tratamento de traumas, como yoga, meditação e terapia somática. Estas técnicas centram-se na ligação entre a mente e o corpo e ajudam as pessoas a melhorar a sua consciência corporal, regular as suas emoções e reduzir os sintomas de stress (Payne et al., 2015; van der Kolk, Stone & West, 2014).
Esta é uma visão importante na abordagem do trauma, pois reconhece a estreita relação entre o corpo e a mente na experiência traumática. Abordagens baseadas na conexão mente-corpo podem ajudar as pessoas a regular as suas emoções, melhorar a consciência corporal e reduzir o stress, o que pode ser benéfico para a recuperação de traumas. A regulação emocional e a prática da atenção plena e de outras técnicas somáticas são ferramentas valiosas para fortalecer a conexão mente-corpo e potenciar a recuperação de traumas.
Referências de interesse
Berking, M., Meier, C. e Wupperman, P. (2010). Melhorando as habilidades de regulação emocional em psicoterapia psicodinâmica: um estudo piloto. Jornal de Psicoterapia Contemporânea, 40(2), 95-102.
Brewin, CR, Lanius, RA, Novac, A., Schnyder, U., Galea, S. & Grp, ER (2010). Reformulando o TEPT para o DSM-V: Vida após o critério A. Journal of Traumatic Stress, 23(5), 513-523.
Jazaieri, H., Goldin, PR, Werner, K., Ziv, M. & Gross, JJ (2015). Um ensaio randomizado de MBSR versus exercício aeróbico para transtorno de ansiedade social. Jornal de Psicologia Clínica, 71(9), 873-885.
Kearney, DJ, Malte, CA, McManus, C., Martinez, ME, Felleman, B., & Simpson, TL (2013). Meditação da bondade amorosa para transtorno de estresse pós-traumático: um estudo piloto. Jornal de Estresse Traumático, 26(4), 426-434.
Payne, P., Levine, PA, & Crane-Godreau, MA (2015). Experiência somática: Usando interocepção e propriocepção como elementos centrais da terapia do trauma. Fronteiras em Psicologia, 6, 1-11.
Van der Kolk, BA, Stone, L., & West, J. (2014). Yoga como tratamento adjuvante para transtorno de estresse pós-traumático: um ensaio clínico randomizado. Jornal de Psiquiatria Clínica, 75(6), e559-e565.
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