Constatei com bastante desolação, quando comecei a trabalhar com adições, que a maioria das correntes de tratamento psicológico no âmbito das dependências colocavam o foco na adição, no diagnóstico e no tratamento, desviando manifestamente o olhar do sofrimento da pessoa, do que estaria detrás e que, tantas vezes, nos informa precisamente sobre aquilo que é o comportamento aditivo.
Durante muito tempo, demasiado diria, os terapeutas neste campo colocaram o enfase naquilo que seria a adição, ou seja, o problema, na tentativa de desenvolver um arsenal de combate que resolvesse o mesmo problema em diferentes pessoas - e não se poderia ter fracassado melhor. Acontece que o mesmo problema não é o mesmo problema já que o individuo que o padece não é o mesmo, não se encontra no mesmo ponto e a adição pode não ter a mesma centralidade na sua vida. Neste sentido a pessoa que o acompanha tem que obrar como um alfaiate que vai fazer um vestido à medida.
"A pergunta não é: a que se deve a adição? mas sim: a que se deve a dor?" Gabor Maté
Podemos encontrar, no processo de acompanhamento, diferentes perfis de pessoas que podem, até, fazer consumos da mesma substância, em quantidades e rotinas parecidas, não obstante esse mesmo comportamento não nasce nem desagua no mesmo ponto. Vamos encontrar razões diferentes, causas e benefícios desse mesmo consumo que não se vão assemelhar, a sua causa ou cerne podem ser tão díspares que seria ridículo pensar que haveria uma mesma solução. Ao admitir isto vemos com bastante perplexidade a abordagem da maioria de manuais de tratamento de adições, compostos por grelhas de entendimento e de intervenção tão quadriculadas que, a meu ver, chegam a ser complicadas de entender para o próprio terapeuta, que deveria, em vez de uma abordagem esquematizada, fazer uma abordagem crítica e de compreensão não apenas na problemática, mas, e sobretudo, da pessoa que recorre ao seu auxílio.
Um dissidente desta doxa tradicional, Gabor Maté, vem-nos oferecer uma visão que mobiliza o foco ao sofrimento que precede o comportamento aditivo na pessoa. Ao tomar este ponto de vista, como terapeutas, estamos obrigados a recalcular itinerários no sentido de elaborar uma abordagem não centrada no problema, mas sim focada na pessoa, na sua história, no seu caminho e naquilo que fez com que um dia se encontrasse na presença de um terapeuta, que terá como dever oferecer o espaço emocional que precisa e desenhar, com ela, o caminho que esta quer, pode e determine para si mesma.
Commenti